a fórmula perfeita pro mocinho de catiguria

Certa vez eu estava em Las Vegas, com uma amiga, numa festa de dia na piscina de um cassino – pense em loiras peitudas com biquínis fluorescentes e gigantes na bunda como 80% do público. A black music tomava conta, ao lado das consagradas músicas eletrônicas. Mas uma hora o DJ surpreendeu. Talvez a nossa parte de baixo (minha e da minha amiga) declarasse que nós não éramos “made in USA” e ele foi bacana, tentou nos agradar. Talvez não. O fato é que as caixas de som, entre uma música do Snoop Dog e outra do Usher, soltaram um tal de PARAPAPAPAPAPAPAPAPA PARAPAPAPAPAPAPAPA PAPARA PAPARA PAPARA CLACK BUM! A batida de funk foi suficiente pra que nós trocássemos olhares felizes e, se bobear, até simulamos uma metralha nas mãos pra dançar… Avoadas, né? Não. Era como um grito naquele cenário de clipe americano de que: “ei, nós somos brasileiras!”. Difícil explicar essa sensação de orgulho, ainda mais tendo a letra do “Rap das Armas” como pivô. Os hipócritas que me perdoem, mas é bem semelhante ao que acontece na sequência de Tropa de Elite.    

Numa das experiências mais aguardadas pro mês de outubro (ir assistir ao longa) identifiquei, de novo, essa força da música certeira. O filme começa com a pegada certa, porque traz o funk perfeito. Você vê gente se sacudindo nas cadeiras ou só balançando os pés, ritmados pela expectativa de assistir aquela mistura meio doida, agressiva, 50% ladrão, 50% policia. Entendo esse efeito como o reflexo mais puro da massa brasileira dos últimos anos: revoltada com a violência, sensibilizada com a realidade, carente de proteção, explorada pelos sensacionalistas e estapeada com a cena política. Mas ainda assim, com um verde e amarelo fincados no peito. E Padilha reuniu tudo isso: nossos defeitos, verdades e patriotismo insistente. Dá pra entender as reações do público que assiste a saga, se revezando na identificação entre o favelado e o burguês, com a mesma vontade que Capitão Nascimento, agora Coronel, tenta assumir o comando justiceiro dentro da Secretaria de Segurança do Rio.

A trama se desenrola de um jeito sanguinário, mas com mais raciocínio que a primeira versão. É um filme pra homem e pra mulher. E com razões de berço, a começar pelos homens. Qualquer um daqueles ali já brincou de bandido e mocinho, já foi sedento pra segurar numa pistola (sem duplo sentido, meus caros) e ter a sensação de poder que o protagonista exibe. A maioria ali também se diz fiel aos parceiros (vulgo amigos) e todos já brincaram de super herói. Arrisco dizer que alguns sofrem até hoje dessa síndrome…

Mulheres, vamos lá. Ele tem olheiras, papo, testa grande, cabelos grisalhos (não do tipo William Bonner glamoroso – do tipo descuidado mesmo), fala grosso, de meia dúzia das suas palavras cinco são palavrões, prioriza o trabalho à família e ainda é mal humorado. Mercenárias, nem grana ele tem. Ah! Ele não é alto e anda esquisito. Mas ainda assim arranca nossos suspiros. E eu lhe pergunto: por que tanto alvoroço?! Tento responder: Roberto Nascimento é a personagem amadurecida do olho que tudo vê, do homem estratégia, do cara que te oferece proteção. A ex mulher vê ele chorar e não mexe um dedo pra lhe fazer um cafuné… Doeu em você também? Tá pra nascer sex simbol maior que esse.

Não me surpreende, ainda, que o filme não ganhe prêmios internacionais. Antes de ser pra homem ou pra mulher, é um filme pra brasileiro entender. Oportuno, vem em época de eleição, de corrupção, de nervos a flor da pele (e não à toa você ouve gente dizendo estar arrepiada quando sai da sala de cinema). O slogan diz: “o inimigo agora é outro”, mas a cada dia que passa, percebemos que o inimigo sempre foi o mesmo.

Com uma reflexão meio patológica, deixei o filme satisfeita e assustada. Não era pra gostar: mudo de canal nos filmes de ação, crime e simpatizantes. Prefiro ser amornada numa comedia romântica de quinta, ver a Julia Roberts de prostituta em 1900 e bolinha ou chorar assistindo A Lista de Schindler. Mas eu gostei. Gostei da qualidade técnica, do elenco, da trilha sonora, da esperança de ver gente que não se vende e, principalmente, de saber que é brasileiro. Sai de lá como se tivesse desabafado por horas, mas ainda com um peso na consciência…   

O Sr. ator de primeira linha Wagner Moura interpretou ali, na verdade, tudo o que a gente um dia pensou – em silêncio ou não – em fazer com o traficante que mata criança, com o polícia que se vende ao ladrão e com o político que dá corda pra tudo isso acontecer. Sem hipocrisia, confusa confesso que ele lava a nossa alma (mesmo que por duas horinhas, via imagens de alta definição e no conforto da cadeira reclinável do shopping center). Coronel Nascimento é um animal com tanta emoção e, no fundo, inocência, que chega a ser humano. Tinha sangue nos olhos como profissional e lágrima nos olhos como homem. E não há magia maior do que ser de carne, osso, ira e coração. Que Super Homem, que nada. Eu prefiro os de verdade (?). Aposto que os milhões de brasileiros que sentarem lá vão preferir também… Coisa que gringo fã de Homem Aranha e Snoop Dog nunca farão (ou nunca serão!).

Tropa de Elite. Osso duro de roer. Pega um, pega geral e também vai pegar você. Já diria o funk certeiro.

pari esse texto em 22 de outubro de 2010